Depois de 500 anos precisamos de uma nova Reforma Protestante

Martinho Lutero também é pop. (por Jean Tosetto)
Martinho Lutero também é pop.

Por Jean Tosetto *

Em 31 de outubro de 1517 o padre com doutorado em teologia Martinho Lutero não dispunha de um canal no YouTube para expor sua revolta contra a Igreja Católica da época, que estava vendendo indulgências para financiar a construção da basílica de São Pedro em Roma.

As indulgências eram uma espécie de perdão concedido após a morte de alguém, cujo pagamento era feito por herdeiros ou parentes próximos, com o objetivo de abreviar o tempo da alma no Purgatório - um lugar que sequer era descrito nas Escrituras Sagradas.

A solução encontrada por Lutero foi pregar suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, atualmente parte do território alemão. Há meio milênio a Europa não conhecia a unificação de países como Itália e Alemanha, que eram divididos em pequenos reinos e principados submetidos à autoridade papal.

Martinho Lutero não queria fundar uma nova religião, mas reformar a própria Igreja Católica que, segundo ele, havia se distanciado dos princípios registrados na Bíblia, a única fonte de conhecimento para fundamentar a fé cristã. Os católicos haviam criado dogmas e sacramentos não previstos nas cartas do apóstolo Paulo ou nos Evangelhos, entre outros livros sagrados.

O efeito da publicação das teses foi devastador e mudou o curso da história ocidental. Lutero foi excomungado da Igreja Católica, porém, foi adotado pela nobreza local que viu nas afirmações reformistas a possibilidade de romper laços com Roma e com o Papa da ocasião. A Reforma Protestante foi a precursora da separação entre Igreja e Estado que prevalece até hoje em grande parte das nações.

Lutero também defendia que as famílias deveriam ter acesso direto à Bíblia em sua língua local - razão pela qual ele traduziu o Novo Testamento para o alemão, ajudando a sedimentar o próprio idioma em sua configuração moderna.

A difusão da Bíblia entre a plebe foi possível graças a outra Revolução - a Revolução da Imprensa - iniciada por Johannes Gutenberg algumas décadas antes. O problema é que a maioria da população europeia era analfabeta, pois a educação formal era restrita a membros do clero e da nobreza.

Em função disso, as regiões da Europa que aderiram aos conceitos protestantes de Lutero passaram a investir na propagação de escolas e universidades para um público crescente, resultando em sucessivos avanços no campo da ciência e da tecnologia. Portanto, podemos atribuir à Reforma Protestante papel importante na origem da Revolução Industrial, que mudou o panorama do Ocidente a partir do fim do século 18.

Lutero era contra a idolatria dos santos que a Igreja Católica elegia de tempos em tempos. Os luteranos e seus seguidores voltaram a centrar seus cultos para Jesus Cristo como partícipe da Santíssima Trindade.

Diferentemente dos católicos, os protestantes adquiriram outra visão sobre o trabalho, que deixou de ser visto como um fardo para ser, acima de tudo, um ato devocional. Para os protestantes, prosperar não é pecado, senão um sinal de benção divina.

Os reflexos dessa nova ética cristã foram brilhantemente depurados pelo economista e co-precursor da sociologia Max Weber, no início do século 20, através de sua obra prima conhecida como "A ética protestante e o espírito do capitalismo".

A leitura deste livro nos ajuda a compreender os motivos dos países que seguem a fé protestante ostentarem os melhores índices de desenvolvimento humano em todo o planeta. Estamos nos referindo a nações como Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, onde o luteranismo ainda é predominante.

Países compostos parcialmente por protestantes também estão entre os mais ricos do mundo, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos - onde se estabeleceu uma cultura de que as coisas não caem do céu e que é preciso ter iniciativa para alcançar um objetivo, sem a intervenção de terceiros, sejam eles políticos ou líderes religiosos.

A fusão da ética protestante com a ética judaico-cristã original, a filosofia grega e o direito romano, compõe o fundamento da cultura ocidental que, após 500 anos da promulgação das 95 teses de Lutero, encontra-se em crise novamente.

Estamos enfrentando a secularização dos costumes alimentada pelo relativismo cultural contaminado pelas ideias propagadas por Karl Marx e Antonio Gramsci. A Europa se vê acuada pela pressão da imigração em massa de povos de matriz islâmica, vitimados por conflitos bélicos em seus países de origem.

O confronto cultural resultante deste processo não tem solução plausível sem o debate sobre o resgate dos princípios que fizeram da Europa e Estados Unidos os focos de atenção para aqueles que buscam uma vida melhor, e que deixam suas terras natais atrás de oportunidades de emprego e empreendimento para sustentar suas famílias.

A idolatria está de volta ao seio das denominações religiosas, onde padres e pastores são mais famosos por suas participações nos meios de comunicação do que pela mensagem de fé que deveriam propagar. Atualmente existem padres que cantam e pastores que debatem política partidária em programas de auditório. A purpurina dos cenários das emissoras de TV encobriu as raízes daquilo que Lutero queria resgatar.

Algumas igrejas que se dizem evangélicas apresentam ritos de purificação e promessas de prosperidade que, novamente, não encontram subsídios nos textos sagrados. Outras mesclam símbolos cristãos e judaicos sem conformidade com as religiões cristã e judaica.

Precisamos de uma nova Reforma Protestante se quisermos que nossos filhos continuem professando a fé cristã, que permanece sendo nosso Castelo Forte contra as ameaças do liberalismo dos costumes que degradam as instituições familiares e da cultura ocidental.

* Jean Tosetto é presidente da Igreja Evangélica Luterana de Nova Odessa desde janeiro de 2003.