Sejam pacientes

Sejam pacientes

Você costuma ser paciente ou impaciente? Ao que tudo indica, vivemos numa época que nos treinou para o imediatismo. Acabou o tempo de escrever cartas e esperar semanas por uma resposta. Hoje esperamos que tudo seja rápido. Imediato. Até aqueles seis segundos de anúncio no YouTube parecem longos demais.

E, no entanto, a palavra que mais se destaca na Epístola de hoje — paciência — parece totalmente fora de sintonia com nosso modo de vida. Tiago repete esse termo quatro vezes, em quatro versículos diferentes. Apontando, com isso, como a paciência se faz necessária. Nesta época do ano, com corrida por compras, compromissos, festas e férias, nossa impaciência só aumenta. E é nesse contexto que Deus nos chama à paciência.

Mas o que há por trás disso? Por que alguns parecem esperar com mais serenidade do que outros? Será que paciência é apenas um traço de personalidade?

Ou será que, quando falamos de paciência diante de Deus, estamos falando, na verdade, de controle? Quando ficamos impacientes com Ele, não seria porque desejamos dirigir os acontecimentos? Controlar o tempo, o modo das coisas e o resultado?

Se for assim, então o chamado divino à paciência é também um chamado ao arrependimento: a abrir mão do controle, deixar Deus ser Deus e colocar nossas circunstâncias — todas elas — em Suas mãos.

João Batista: do deserto à prisão

O Evangelho de hoje nos leva novamente a João Batista, mas numa situação muito diferente daquela do domingo passado. Antes o vimos pregando com força, chamando ao arrependimento, anunciando o Reino e preparando o caminho do Senhor. Havia movimento, expectativa, resultados.

Agora, João está preso. Herodes se cansou de sua pregação e o colocou no cárcere.

E é dali, da prisão, que João envia sua famosa pergunta a Jesus: “O senhor é aquele que ia chegar ou devemos esperar outro?”

Percebe a tensão por trás disso? João talvez pensasse: “Se Jesus é o Messias, por que não faz nada? Por que me deixa aqui? Ele não vai me libertar?”

É a pergunta de quem sofre, de quem está cansado, de quem sente o peso do tempo e das circunstâncias. É a pergunta de quem está perdendo o controle — e sente isso profundamente.

A resposta de Jesus: paciência, João

Jesus responde apontando para os sinais: cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e os pobres recebem o evangelho.

Tudo conforme Isaías havia dito que aconteceria quando o Messias viesse.

Em outras palavras: “Está acontecendo, João. O Reino está avançando. Mas Deus decide quem, quando e como. Deixe Deus ser Deus. E felizes são aqueles que não abandonam a sua fé em mim!

Bem-aventurado quem confia mesmo quando não entende. Quem espera mesmo quando tem perguntas. Quem abre mão do controle e descansa na promessa.

E, depois de responder a João, Jesus o elogia. Fala de sua grandeza. Ou seja: João não está sofrendo porque fez algo errado. Não está sendo punido enquanto outros são curados. Pelo contrário: de todos os homens que já nasceram, João Batista é o maior, declara Jesus.

Aqui aprendemos algo precioso: não podemos medir o favor de Deus pelas aparências externas. Qualquer tentativa de fazer isso é querer retomar o controle. E isso não nos pertence.

Paciência: o caminho do Reino

Tiago ecoa o mesmo chamado: “Sejam pacientes até a vinda do Senhor.”

Há dois caminhos diante de nós:

  1. O caminho da paciência, que é o caminho da fé e da confiança;
  2. O caminho da incredulidade, que tenta controlar tudo, manipular Deus, moldá-lo aos nossos desejos.

O segundo caminho é sedutor. Fala ao nosso coração pecador que quer mandar e decidir. Mas é o caminho da idolatria — colocar o próprio “eu” no trono que pertence ao Senhor.

Por isso nossa oração precisa ser a daquele pai em Marcos 9: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!”

Como João, nós cremos — e também duvidamos. Nós esperamos — e também reclamamos.  Nós confiamos — e também queremos acelerar o tempo.

Quantas vezes nossa pergunta é a de João: “Jesus, é o Senhor mesmo? O Senhor não está vendo o que estou passando? O Senhor não vai agir?”

Mas é justamente aí que o Evangelho brilha: o Senhor é paciente conosco.

Quando nos arrependemos do nosso desejo de controlar tudo, quando entregamos a Ele nossas dúvidas e cansaço, estamos caminhando no “Caminho da Santidade” anunciado por Isaías.

O caminho pelo qual o Senhor anda

O caminho da fé é sempre o caminho de Cristo:

  • o caminho do arrependimento, da confissão e da cruz;
  • o caminho do perdão e da ressurreição.

João o preparou o caminho. Jesus o trilhou. E agora nos chama a segui-lo.

Nesse caminho Ele não promete facilidade, luxo ou grandeza. Mas promete Sua presença.

Sua presença para nos regar, alimentar, sustentar e perdoar. Sua presença que nos acompanha onde estivermos, até o dia em que estaremos com Ele onde Ele está.

Isso significa que não teremos dúvidas, medos ou perguntas? Claro que teremos. Vivemos ainda numa prisão de pecado e morte — e ali a impaciência sempre tenta nos dominar.

Mas o grande paradoxo cristão é este: embora vivamos neste mundo caído, já fomos libertos do pecado e da morte em Cristo.

Na sua primeira vinda, Jesus venceu tudo isso na cruz. Na segunda vinda, Ele destruirá definitivamente a morte, ressuscitará o Seu povo e enxugará toda lágrima. Então não haverá mais dúvidas. Nem esperas. Nem dor. Haverá apenas vida plena com o nosso Salvador e Rei.

Até lá, a palavra permanece: Sejam pacientes. O Senhor está vindo.

Foi isso que Jesus disse a João. E é isso que Ele diz a nós.

Não importa o que você esteja vivendo. Não importa onde você esteja preso — seja numa situação, num medo, numa dor ou num futuro incerto — você não está sozinho.

O Senhor está vindo. Ele não falhará.

Amém. Vem, Senhor Jesus!

MENSAGEM DO TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

Textos: Tg 5.7-11; Mt 11.2-11; Is 35.1-10

Pastor Filipe Schneider – 14.12.2025

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A Verdadeira Reforma

O Pastor Filipe Schneider profere o sermão do dia 26 de outubro de 2025 na Comunidade Evangélica Luterana de Nova Odessa/SP.
O Pastor Filipe Schneider profere o sermão do dia 26 de outubro de 2025 na Comunidade Evangélica Luterana de Nova Odessa/SP. 

            Hoje celebramos o Dia da Reforma — uma data que, à primeira vista, parece celebrar a vida de um homem.

Um homem que realizou grandes feitos.

Um homem que não se preocupava muito em ser politicamente correto.

Um homem que ensinava de um modo diferente dos mestres de sua época.

Um homem determinado, focado em sua missão.

Um homem preso por causa de seus ensinamentos.

Um homem odiado por muitos, traído até por amigos.

Um homem cuja vida ainda impacta a sua e a minha.

E esse homem é Jesus Cristo.

Ah, você pensou que eu estava falando de Lutero?

Não me entenda mal! Damos graças a Deus por Martinho Lutero e por tudo o que o Senhor realizou por meio dele. Ele foi, sem dúvida, uma figura central na Reforma.

Mas a Reforma não é sobre ele.

Como um pregador já disse certa vez: “Lutero apenas varreu as teias de aranha que encobriam o crucifixo.” Ele recolocou Cristo e este crucificado no centro da pregação da Igreja. Porque, por incrível que pareça, às vezes a Igreja se desvia de seu caminho.

E então precisamos ser lembrados do motivo de estarmos aqui e do que realmente importa: Cristo e este crucificado.

Assim, a Reforma é, sim, um evento histórico — mas não apenas o que aconteceu há cerca de 500 anos, em Wittenberg. A verdadeira Reforma aconteceu há mais de 2.000 anos, no Calvário.

Os cravos que prenderam as 95 Teses de Lutero nas portas da igreja do castelo foram importantes. Mas os cravos que perfuraram as mãos e os pés de Jesus, fixando-o na cruz, foram infinitamente mais.

É na cruz que ocorre a verdadeira Reforma: a reforma do coração, quando o Espírito enviado por Jesus transforma pecadores em santos, moldando-nos novamente à imagem de Cristo.

E assim como o povo do tempo de Jeremias, o povo dos dias de Jesus e o povo dos dias de Lutero, também nós precisamos ser reformados.

Porque o pecado está sempre nos deformando.

O mundo está sempre tentando nos conformar à sua maneira.

E somos constantemente informados por aquilo que não é verdade.

E hoje, neste culto em que celebramos a Reforma, três jovens estão sendo confirmados. Essa palavra “confirmar” vem do latim confirmare, que significa tornar firme, fortalecer. E é exatamente isso que Deus faz conosco por meio da Sua Palavra e do Seu Espírito: Ele nos fortalece na fé que começou no Batismo.

Queridos confirmandos, vocês hoje confessam publicamente aquilo que Deus já começou em vocês quando foram batizados.

Mas percebam: essa confirmação não vem de vocês mesmos — vem de Cristo, que continua reformando e fortalecendo o coração de vocês.

Vocês foram deformados pelo pecado, como todos nós.

O mundo vai tentar conformar vocês aos seus valores.

E muita coisa — redes sociais, opiniões, ideologias — vai tentar informar vocês com “verdades” que não vêm de Deus.

Mas o Espírito Santo quer que vocês sejam confirmados em Cristo: firmes na fé, enraizados na Palavra, sustentados na graça do Batismo.

Ser confirmado, portanto, não é o fim de um caminho, mas o início de uma vida de reforma contínua — uma vida sendo, dia após dia, moldada e reformada pela cruz de Cristo.

Por isso, sempre precisamos ser reformados pela Palavra de Deus — individualmente e como Igreja.

Diversos “ismos” nos afastam de Cristo crucificado: modernismo, secularismo, racionalismo, pietismo, institucionalismo, e até mesmo o luteranismo, se este se tornar um orgulho vazio, como o dos judeus que disseram a Jesus: “Somos descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de ninguém.”

Mais uma vez: não me entenda mal! Damos graças a Deus por Lutero e por pertencermos à confissão de fé que leva seu nome.

Mas precisamos fazer uma pergunta bem luterana: “O que significa isso?”

Ser luterano significa seguir Lutero?
Significa apenas não ser católico romano?

Infelizmente, muitos pensam assim.

Mas ser luterano significa algo muito mais profundo: ser um pecador reformado por Cristo crucificado.

Não reformado por mim mesmo, nem por minhas obras.

Não reformado por minha razão ou força.

Nem reformado pelo que sinto no coração.

Mas reformado por Cristo crucificado.

Ser luterano, portanto, é compreender que a cruz não é apenas um acontecimento histórico, mas uma realidade presente.

Cristo continua reformando a nós e a Sua Igreja hoje.

Ser luterano significa saber e crer que o  Santo Batismo não é algo que fazemos, mas um lavar dos pecados, porque pela água e pela Palavra somos unidos a Cristo crucificado (Romanos 6).

Ser luterano significa saber e crer que a pregação do Evangelho não é mera informação ou instrução moral, mas o poder de Deus para a salvação (Romanos 1.16), que grava Cristo crucificado em nossos corações (Jeremias 31).

Ser luterano significa saber e crer que a Santa Ceia não é apenas uma refeição simbólica, mas o verdadeiro corpo e sangue de Cristo crucificado, dados e derramados por nós para perdão, vida e salvação.

E se fomos unidos a Cristo em Sua morte, então também seremos unidos com Ele em Sua ressurreição — reformados à Sua imagem, para viver uma vida nova.

Não mais deformados pelo pecado, conformados ao mundo ou informados por mentiras, mas reformados em Cristo.

Cristo crucificado.

Ser luterano também é levar Cristo crucificado ao mundo, onde quer que Deus nos coloque, com quem quer que convivamos, em tudo o que fazemos.

É viver, como disse Jesus, como pessoas libertas pelo Filho (João 8). Perfeitamente livres. Lutero explicou isso de modo magistral: “Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas, e não sujeito a ninguém; e, ao mesmo tempo, servo de todos, sujeito a todos.” Usamos, portanto, nossa liberdade não como licença, mas como amor. Servindo, doando, perdoando. Entregando nossa vida assim como Cristo entregou a Sua por nós.

Mas nem todos querem esse tipo de vida ou esse tipo de Deus. Preferem um Deus forte e poderoso, e não um Deus crucificado. E querem para si uma vida igualmente triunfante e sem cruz.

Satanás quer nos fazer crer que força e fraqueza são opostos — que não se pode ser, ao mesmo tempo, poderoso e crucificado.

Mas Cristo crucificado nos mostra o contrário: que Deus nunca foi tão forte como quando estava na cruz, que Seu poder se aperfeiçoa na fraqueza, que o Todo-Poderoso se fez Filho do Homem porque nós somos filhos de homens, que Ele tomou carne porque nós somos carne, que nasceu sob a Lei porque nós estávamos sob a Lei, e que carregou nossos pecados na cruz, morrendo para que tivéssemos vida. Cativo, para nos libertar.

Ser luterano, enfim, é reconhecer que não podemos viver sem esse Cristo — Cristo crucificado.

Sem Ele, não há vida verdadeira aqui e agora, nem vida eterna.
A vida sem Cristo é apenas uma imitação de vida.
Nenhum paraíso terreno pode nos satisfazer.

Mas Cristo crucificado, ressuscitado e ascendido significa que nós também, já agora, participamos de Sua vitória.

Já estamos perdoados.

Já estamos reconciliados com Deus.

Já temos paz.

E nada — nenhum terror, decepção, sonho frustrado, ruína econômica, dor ou enfermidade — pode tirar isso de nós.

Como cantou Lutero:

 

“Se vierem roubar

os bens, vida e o lar –

que tudo se vá!

Proveito não lhes dá.

O céu é nossa herança.” (Castelo Forte, v.4) 

Será que nos desviamos da mensagem central? Preocupados demais com números, popularidade e crescimento?  Talvez sim — como sempre foi e sempre será.

Por isso, precisamos ser constantemente reformados. Constantemente conduzidos de volta a Cristo crucificado. Não apenas uma vez, mas sempre.

Em última análise, somos luteranos pela mesma razão que somos cristãos: pela graça, por meio da fé, em Cristo crucificado.

A Reforma é, sim, sobre um homem. Mas esse homem é Jesus Cristo.

Graças sejam dadas a Deus!

Em nome do Pai, e do (+) Filho, e do Espírito Santo. Amém.

MENSAGEM DO DIA DA REFORMA

TEXTOS: Jeremias 31.31-34; Romanos 3.19-28; João 8.31-36

Pastor Filipe Schneider – 26.10.2025

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