“O canto como testemunho de nossa fé”
Lc 1.39-56
Canto! Quem de vocês não aprecia um belo canto? Ainda mais agora durante esta época natalina onde volta e meia ouvimos belos cantos natalinos, sejam estes interpretados por um belo coro, por uma bela banda ou até mesmo por uma orquestra. Cantatas Natalinas, seja ao vivo ou na televisão, enfim: hinos natalinos que tocam o coração. E como é bom cantá-los. Ou será que há alguém que não goste de cantar? Volta e meia estamos cantando, seja aqui na igreja, ou mesmo em casa com a família, com os amigos. Até mesmo quem não sabe ou julga não saber cantar acaba se rendendo ao canto em algum momento. Cantamos até quando estamos sós, no quarto, no chuveiro, ou mesmo uma canção de ninar para fazer uma criança adormecer. Quem de nós não se lembra de alguma canção cantada pela mãe ou pelo pai antes de dormir? Não necessariamente precisa ser uma canção cristã.
Fato é, que dificilmente não cantamos. Até mesmo quando estamos em total silêncio, uma melodia ou um canto começa a soar repetidamente dentro de nossa cabeça, não importando onde estejamos ou o que estivermos fazendo.
Desde a antiguidade os seres humanos cantam. Já no livro de Gênesis lemos que da geração de Caím surge a música, e com ela, conseqüentemente o canto. Vocês sabiam que o canto é uma boa maneira de memorizar algo? E não é de hoje que fazemos isso. Os próprios salmos que lemos dominicalmente aqui nos cultos, todos eles foram escritos para serem cantados. O povo não apenas recitava salmos, porém cantava. Era uma forma bem prática e gostosa de memorização dos ensinamentos de Deus. Aliás, durante muito tempo a igreja ortodoxa da Rússia foi proibida pelo governo de realizar cultos, ou, pra ser mais preciso, os pastores foram proibidos de proclamar a Palavra de Deus nos cultos. A única autorização que aqueles cristãos tinham era de poder cantar. E foi assim que durante todas aquelas décadas de regime comunista o povo cristão continuou a fortalecer a sua fé: através dos hinos dos hinários. Toda a sua doutrina cristã estava ali transcrita em versos, transcrita em hinos.
É por isso, meus amigos, que nós como igreja não podemos jamais abrir mão de nossos hinos, ou, falando agora como congregação Luterana: de nosso hinário Luterano. Talvez algumas músicas ali sejam muito difíceis de cantar, ou não contenham melodias ou ritmos que satisfaçam muitas vezes a nossa era pós-moderna. Porém, a doutrina e a profundidade teológica que este hinário possui é algo ímpar. Podemos sim cantar outros hinos que não estejam alí, desde que condizentes a nossa doutrina. Podemos até mudar as melodias ou os ritmos de muitos de nossos hinos a fim de adaptá-los um pouco mais a nossa realidade ou época. Porém, meus amigos, jamais podemos abrir mão deste tesouro, que traduz em versos melódicos toda a doutrina contida na Palavra de Deus.
O próprio Lutero atribuía um valor imensurável ao canto. Conta-se que, em certa ocasião, ele estava tão angustiado com o seu pecado que literalmente se pôs a brigar com o demônio. Após horas e horas de aflição, pavor e angústia, Lutero, não agüentando mais, desmaia. Ele é socorrido por um padre, muito amigo seu, que após fazer de tudo para reanimá-lo, porém, sem sucesso algum, começa a cantar um hino. Como que por milagre, Lutero pouco a pouco vai acordando e recuperando suas forças ao ritmo daquela canção.
Aquilo havia agido de forma tão impactante em sua vida, que Lutero mais tarde, ao relembrar desse fato, dedicava-se ao máximo em compor hinos cristãos. Naquela época ainda não havia “direitos autorais”. Era muito comum poetas e músicos pegarem melodias já conhecidas e colocarem suas letras, ou mesmo outras melodias em letras já existentes sem que para isso tivessem que citar os autores primordiais.
Por isso, muitas canções em nosso hinário que temos como sendo de autoria do próprio Lutero, não necessariamente possuem a melodia composta por ele. Muitas das melodias eram na verdade músicas folclóricas daquela época. Lutero gostava muito de cantar, e sabia que esta era uma ótima ferramenta de evangelização. O seu maior desejo quanto a isso era que estes hinos não ficassem contidos apenas às igrejas, mas, muito pelo contrário: que as pessoas cantassem esses hinos lá fora, no mundo, como um testemunho de sua fé.
E esta mesma fé Maria testemunha para Isabel, em nosso texto hoje, quando lhe diz: “A minha alma anuncia a grandeza do Senhor. O meu espírito está alegre por causa de Deus, o meu Salvador.” O texto continua, e Maria, movida pelo Espírito Santo, testemunha a sua fé em versos. E estes versos nós os temos transcritos em nossa liturgia. Estes mesmos versos foram musicalizados em um canto muito bonito. Sempre ao ler esta passagem me lembro deste canto o qual cantávamos lá no seminário Concórdia. E, da mesma forma que estes versos foram transformados em música, temos outros tantos exemplos de compositores que a partir de determinados versos bíblicos compuseram belas obras primas.
A própria liturgia nada mais é do que trechos retirados da bíblia, os quais relembramos quando cantamos a mesma. O resumo de nossa doutrina luterana também está presente alí. Nós começamos o culto cantando “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” a fim de invocarmos o nome de Deus em nosso culto. Continuamos a liturgia cantando o salmo 124.8: “O nosso Socorro está em o nome do Senhor que fez os céus e a terra”.
No Glória, cantado normalmente após a leitura do salmo, entoamos glórias ao nosso Deus Triúno, que era, é e para sempre será o único e verdadeiro Deus. Quando dizemos “Senhor tem piedade de Nós” lembramos que não somos nada frente a glória e a majestade de nosso Deus. Mas, que mesmo assim, Ele olhe por nós, não esqueça da gente, e tenha piedade de nós por sermos pecadores, mas também que tenha piedade de todos aqueles que sofrem pelas conseqüências do pecado.
Recentemente acompanhamos nos noticiários os desabrigados das enchentes aqui em nosso estado. Famílias inteiras que perderam do pouco que tinham, sem comida e sem teto. Diante de tamanho sofrimento humano eu e você podemos nos perguntar: onde está Deus? Porém, diante de tamanha desgraça humana, quando tudo parecia perdido, eis que anjos dos céus aparecem em socorro a estas vítimas. Foi assim que uma das moradoras resgatas pelos bombeiros os descreveu. E um âncora de um dos meios de comunicação televisivo afirmou: “Não vejo ali a presença do poder público, mas vejo a presença dos bombeiros e da polícia.”
Da mesma forma que estes corajosos bombeiros e demais departamentos que Eli se encontravam, a fim de estarem presentes vendo e acompanhando de perto o sofrimento humano e salvando vidas, assim é, meus amigos, a presença de Deus em nossas vidas.
Maria deu um testemunho de fé porque estava carregando em seu ventre o Salvador Jesus Cristo. Nós também o carregamos dentro de nós, não da mesma forma física como Maria, porém, em espírito.
Esta presença de Jesus Cristo em nossas vidas nos traz consolo e esperança. Apesar de tantas tragédias, apesar de tanta dor, revolta e sofrimento, Ele não é insensível a isto. Ele está conosco nos acompanhando, nos auxiliando, nos salvando e nos confortando.
É esta presença de Jesus em nossas vidas que nos motiva a testemunharmos nossa fé, da mesma forma como Maria o fez. Esta mesma emoção e alegria que ela manifestou ao saber que estava carregando em seu ventre o Filho de Deus, nós cristão também queremos manifestar ao mundo por sabermos que carregamos dentro de nossos corações a luz do mundo, o Emanuel, o Cristo. Da mesma forma como Maria, somos abençoados por Deus por Ele fazer morada em nós. Que forma mais sublime e singela há de agradecer a Deus por este tamanho dom da Salvação do que cantando hinos de louvor e Glória ao seu nome?
O canto, todavia, não é um dom exclusivo de nós seres humanos. Também os anjos o receberam. E naquela noite, deram testemunho do nascimento de Cristo a pobres pastores entoando “Glória a Deus nas alturas, paz na terra entre os homens a quem Ele quer bem”, que é o que segue em nossa liturgia após o “Senhor tem piedade de nós”.
Cantar é bom e com toda a certeza sairemos hoje desse culto com ao menos um hino, aqui cantado, ecoando em nossas mentes. “Quem canta seus males espanta” já dizia o nosso ditado popular. No canto podemos colocar o resumo daquilo que pensamos. Quem de vocês que viveu na época do regime ditatorial em nosso país não se lembra dos cantores da época que com grande habilidade camuflavam seus protestos em habilidosos versos muito bem construídos os quais eram transformados em música, a fim de que o povo cantasse e repetisse essas mensagens de protesto nas ruas? Da mesma forma, nossos hinos aqui cantados na igreja nada mais são do que o resumo de nossa doutrina e o testemunho de nossa fé a todas as pessoas deste mundo!
Cantamos a Deus por sua presença entre nós; cantamos a Deus por ele se fazer morada em nossos corações; cantamos a Deus por Ele nos ter salvo e resgatado da enchente do pecado onde nós nos afogávamos. E finalmente: Cantamos a Deus pela alegria que sentimos em saber que um dia estaremos com Ele lá nos céus, onde cantaremos na companhia de todos os nossos irmãos na fé, cantando juntamente com os anjos e arcanjos e com toda a companhia Celeste. Cantando com o próprio Jesus o canto mais lindo, mais harmonioso, mais sublime, canto este que jamais ouvimos aqui neste mundo: um canto celestial, maravilhoso e eterno! Um canto, como aquela canção de ninar cantada por nossos pais antes de dormirmos, no qual adormeceremos eternamente no colinho de nosso salvador Jesus! Que assim seja: Amém!